Sim, é absolutamente possível, porque Deus é atemporal, e vê todas as coisas e suas relações do ponto de vista da eternidade, do eterno presente onde vive. Só não sei se, do ponto de vista nosso, se aplicaria fazer oração por um evento passado, pois, pela oração, pedimos o que necessitamos e damos graças pelo que já temos.
Também é possível, no meu entender, Deus restaurar à existência o mesmo ser que foi aniquilado, posto que toda relação, como ser que é, tem sua origem em Deus, inclusive a relação de identidade. Como Deus é o fundamento de toda relação, a princípio, não há nada que impediria, pela potência absoluta, que uma causa eficiente tivesse um efeito que lhe fosse anterior no tempo. Agora, isso não me parece adequado de acordo com a potência ordenada, mediante a qual a ordem das coisas cumpre certo propósito em relação às mesmas.
E também parece impossível no que diz respeito às causas eficientes que causam seu efeito por contato.
No fim, me parece que só as causas eficientes intelectuais teriam esse capacidade.
Mas é essa a economia da salvação que Deus decretou desde toda a eternidade, Rui? Porquanto eu desconheço livros que dizem, ou mesmo insinuam, podermos rezar para que alguém, morto há 1 ou mil anos, tenha se salvado em vistas dos méritos que nós podemos adquirir _hic et nunc_. Na morte não cessam todas as possibilidades de merecer, quer de si, quer de méritos mediante a impetração vicária de outro?
Não seria o exemplo dado da Imaculada um paralelismo incorreto, porquanto merecer nós podemos para os que não vivem ainda (para os nossos descendentes, que ainda vão começar a merecer, por exemplo), enquanto se trata o exemplo de um caso em que já se cessou a possibilidade?
Penso o mesmo. O que estou dizendo é que me parece que Deus poderia, em termos absolutos, fazer com que uma causa eficiente, que não interviesse de modo físico, mas moral, pudesse causar um efeito preexistente. Esse seria o caso dos méritos da Paixão de Cristo.
E mesmo a cessação de méritos após a morte ocorre de acordo com a livre disposição divina, que, se quisesse, poderia dispor o contrário.
Paulo, acho que, na morte, cessa a capacidade de merecer de si, mas não de receber benefícios pelos méritos de outro, pois não rezamos pelas almas do purgatório?
Sim, mas eu me refiro ao merecimento que alcançaria a graça da perseverança final para outro, por mais que eu saiba que tal graça é, de per si, imerecível.
Penso que uma das razões pelas quais Deus não quis dispôr que pudéssemos esperar o merecimento da graça de nossa salvação, se realizando no nosso além-túmulo, seja o prejuízo que isto causaria para a salvação dos homens. Tal ideia tende a nos deixar presunçosos. Se o inferno, sendo eterno como é, não causa temor a tantos, imagine se pudéssemos esperar atos meritórios de todos os vivos até o fim do mundo?
Paulo, quando você fala que isso nos deixaria presunçosos se refere a quê especificamente? Acho que não entendi essa parte, mas concordo com todo o resto.
Ao fato de que provavelmente iríamos abusar de tal possibilidade; um pecador contumaz, por exemplo, sabendo que mesmo após a sua morte um descendente, mediante orações e sacrifícios, poderia alcançar a graça do arrependimento para ele no último momento, tenderia a postergar a sua conversão, confiando presunçosamente em tão larga oportunidade.
Verdade, e isso tiraria algo de nosso dever de levar nossas cruzes com Cristo ao longo da vida.